quinta-feira, 21 de maio de 2009


FADO DE SANTA CRUZ
Música: Fortunato Roma da Fonseca (séc. XX)
Letra: 1ª quadra de João Penha de Oliveira Fortuna (1838-1919); 2ª e 3ª quadras de Fortunato Roma da Fonseca
Incipit: Igreja de Santa Cruz
Origem: Coimbra
Função inicial: serenata de cortejamento (?)
Data: ca. 1923

Igreja de Santa Cruz,
Feita de Pedra morena,
Dentro de ti vão rezar
Uns olhos que me dão pena.

Quando estavas na igreja
A teus pés ajoelhei
À Virgem por mim rezavas,
À Virgem por ti rezei.

E na crença e na vertigem
Logo em fé te converti
E em vez de rezar à virgem
Rezava, mas era a ti.

Canta-se o 1º dístico, repete-se, canta-se o 2º e repete-se.
Esquema do acompanhamento:
1º dístico: Láb M /// 2ªLáb, Láb M;
2º dístico: Láb M /// 2ªLáb M, Láb M

Informação complementar
Serenata clássica em compasso 4/4 e tom de Láb Maior. De estrutura silábica, foi inicialmente destinada a solista masculino, com acompanhamento singelo de guitarra toeira. A 1ª quadra é uma variante burilada pelo poeta e estudante de Direito João Penha a partir de redondilha popular antiga. José Leite de Vasconcelos, em apontamentos por ele recolhidos em 1892 na Quinta da Ponte, freguesia de Espinho, anotou a seguinte quadra:

Adeuzz...igrâija de Sã Pedro
Fâita de pedra muréna
Cândo eu lá ôiço missa
Doiz ólhos é que me dão péna
(Cf. J. Leite Vasconcelos, OPÚSCULOS, Vol. VI, Parte II, IN-CM, 1985, págs. 358-360).

Outras variantes eram conhecidas antes de 1860 um pouco por todo o país:

Igreja de de Santa Cruz
Feita de pedra e cal
Dentro dela ouvem missa
Uns olhos que me fazem mal.

Igreja de Santa Cruz
Feita de cal e areia
Dentro de ti vai rezar
Um amor que me falseia.

Afonso Lopes Vieira, em Cancioneiro de Coimbra, Coimbra, Arménio Amado, 1918, p. 131, dá conta de outra variante popular de Coimbra:

Igreja de Santa Cruz,
Toda de pedra morena,
Dentro de ti ouvem missa
Uns olhos que me dão pena.

Este tema foi divulgado em Coimbra pelo póprio autor, tenor e serenateiro que o ensinou a Edmundo Bettencourt. Roma da Fonseca, filho de Augusto César da Fonseca, era natural do Alandroal, Alentejo. No ano lectivo de 1921-1922 frequentava o 1º ano da Faculdade de Medicina da UC, instituição onde se viria a formar. É ainda conhecido como autor de outras duas obras leterário-musicais:

-TRISTE (Ai daqueles que só amam), gravado em 1926 por António Batoque (cf. Fado de Coimbra Nº 7: Vento não batas à porta); gravado em 1927 por Lucas Rodrigues Junot (cf. Triste: Ai daqueles que só amam); gravado em 1927 por José Paradela de Oliveira (cf. Um Fado Triste: Assim chego a teus pés); gravado em 1997 por Augusto Camacho Vieira (cf. Canto de Bem-Querer: Dizem que o bem que se conhece);
--CRUCIFICADO (Ave-Marias são beijos), sendo a letra de Francisco Bastos, gravado por Edmundo de Bettencourt e José Afonso.

Segundo os dados disponíveis até ao momento, Roma da Fonseca não gravou quaisquer fonogramas nem reduziu as suas obras a partitura impressa. Em 25.06.1970 fez registar na antecessora da SPA a autoria de Fado de Santa Cruz, cujo verbete dera entrada na instituição em 12.06.1970.
A versão que se recolhe e transcreve em partitura corresponde à matriz gravada por Edmundo Bettencourt no disco de 78 rpm COLUMBIA 8123 (master WP 306-2), gravado em Lisboa no ano de 1928, acompanhado em 1ª guitarra toeira de Coimbra por Artur Paredes, em 2ª guitarra por Albano de Noronha e, em violão de cordas de aço por Mário Faria da Fonseca. No disco vem a indicação de a música ser de Fortunato Roma da Fonseca mas, quanto à letra, é omisso. Bettencourt vocaliza a 1ª e a 2ª coplas, omitindo a 3ª. Gravação disponível no LP Fados de Coimbra. Edmundo de Bettencourt, Lisboa, ano de 1984, EMI-Valentim de Carvalho, 2402451, Lado 1, faixa nº 6 (também em cassete), sendo totalmente omisso quanto à identificação dos instrumentistas e às novidades presentes no fonograma (expressividade vocal, arranjo de Artur Paredes, 1ª e 2ª guitarras, afinação de Coimbra); também em compact disc: Heritage, HT CD 15, da Interstate Music, editado em 1992; CD Arquivos do Fado. Coimbra Fado (1926-1930), Volume II, Macau, ano de 1994, Tradisom, TRAD 005, faixa nº 10 (cópia do anterior), omisso em autorias e identificação dos instrumentistas; CD Edmundo de Bettencourt. O Poeta Cantor, Funchal, Discos Popular/Produções Valentim de Carvalho, ano de 1999, 560 5231 0047 2 5, faixa nº 10, omisso na identificação dos instrumentistas.
António Menano gravou este tema em Dezembro de 1928, em Berlim (Disco de 78 rpm ODEON, LA 187.815 - Og 1034), acompanhado em guitarra de Lisboa por João Fernandes e no violão aço por Mário Marques. Menano omite a 1ª copla, começa por cantar a 2ª quadra (Quando estavas na igreja) e, como 2ª copla, canta esta outra: E na crença e na vertigem / Foi então que eu me perdi;/Em vez de rezar à Virgem/Rezava mas era a ti. Ou seja, Menano estropia de forma grosseira a 2ª quadra, confirmando a nossa leitura no sentido de que terá arriscado gravar em sessões distintas avultado número de matrizes sem apoio de cadernos com títulos/letras/tons/autorias: canta justamente o 3º verso, adultera a 2º (ouve-se: Foi então que eu me perdi), e no 3º omite a conjunção copulativa “E”. Em termos interpretativos, modifica ligeiramente a melodia corresponde ao 2º dístico da copla, fenómeno tributária da oralidade que rodeava os processos de reprodução desta manisfestação artística.
O fonograma Menano encontra-se disponível em vinil: Album de Fados de CoimbraAntónio Menano, Vol. II, disco 2, EMI-VC 2612291, editado em 1986) e em cassete; também em compact disc: CD António MenanoFados, EM;I-VC 7243 8 34618 2 0, editado em Setembro de 1995.
José Paradela de Oliveira, em Maio de 1927, acompanhado à guitarra em afinação natural por Francisco da Silveira Morais e António Lopes Dias (violão), também gravou este mesmo espécime (disco His Master’s Voice, EQ 86 master 7.62173), mantendo-lhe o título mas substituindo a 2ª quadra por esta:

Lágrimas de portugueses
Se todas fossem ao mar
Já não houvera no mundo
Terra firme onde chorar.

Estamos em crer que a 2ª quadra registada por Paradela é do próprio e remonta à digressão da TAUC ao Brasil no Verão de 1925. A versão Paradela, a mais ultra-romântica da década de 1920, está disponível em compact disc: CD Heritage, HT CD 15, da Interstate Music, editado em 1992; CD Arquivos do Fado. Fado de Coimbra (1926-1930), Volume II, Macau, ano de 1994, Tradisom, TRAD 005, faixa nº 17 (cópia do anterior), omisso em autoria e instrumentistas; remasterização em Col. Um Século de Fado/EDICLUBE, CD Nº 1/Coimbra, EMI 7243 5 20633 2 1, editado em 1999. Outra remasterização no CD Biografia do Fado de Coimbra, Lisboa, EMI-Valentim de Carvalho, 724353097721, ano de 2000, faixa nº 7, com identificação correcta dos instrumentistas. A interpretação Paradela, alicerçada numa entoação arrastada e embaladora, insere-se na estética Ultra-Romântica.
Adriano Correia de Oliveira cantava este tema mas que não o chegou a gravar. Como 2ª quadra propunha a seguinte:

Ingrata, se fores à missa
Não te aproximes da Cruz
Que o pobre Cristo não veja
O teu olhar que seduz.
(Cf. Mário Correia, Adriano Correia de Oliveira. Vida e obra, Coimbra, Centelha, 1987, pág. 213).

Muitos foram os cantores gravaram este tema. Por vezes, na discografia, aparece erradamente como título o incipit Igreja de Santa Cruz.
Gravações disponíveis em compact disc de outros cantores:
-Tempo(s) de Coimbra, disco 1, EMI 0777 799608 2 8, editado em 1990 (canta Alfredo Correia); remasterização da antologia vinil de 1984, acompanhado por António Portugal/António Brojo/Luís Filipe/Aurélio dos Reis;
-CD Tertúlia do Fado e Coimbra – Coimbra... terra de encanto, Videofono, VCD 50001, editado em 1993 (canta Victor Nunes);
-CD Dr. Serra Leitão, Discossete, CD 951000, editado em 1993, acompanhado por António Ralha/Jorge Gomes/Manuel Dourado;
-CD Fados e Baladas de Coimbra – ...do Choupal até à Lapa, Vidisco, 11.80.1208, editado em 1994, faixa nº 5: vocalização do cantor profissional Valdemar Vigário, omissa no tocante aos instrumentistas, confundindo o incipit com o título e atribuindo erroneamente a autoria a “Luis Goes”;
-CD Doutor Camacho Vieira – Colectânea de 1990-1994, Discossete, 1014-2, editado em 1995;
-CD A nossa Selecção de Fados, Baladas e Guitarradas de Coimbra, Discossete, 1172-2, disco 2, editado em 1997 (Serra Leitão);
-CD Coimbra – Fados, ballads & guitars, Colecção das Naus, NAU CD 017, editado em 1998 (Serra Leitão);
-CD João Queiroz, Movieplay, FF 17.024, editado em 1998;
-CD Frederico Vinagre – Fados e Guitarradas de Coimbra, Metro-Som, CD 151, editado em 2001, acompanhado por Octávio Sérgio/Durval Moreirinhas;
-CD Coimbra é uma saudade, Coimbra, Aeminum Records, AE 002, ano de 2002, faixa nº 4: vocalização de Mário Gomes Pais, acompanhado por António Jesus/Carlos Jesus/Paulo Larguesa/Bernardino Gonçalves.

Fado de Santa Cruz é uma das obras mais popularizadas do universo estrófico da Canção de Coimbra. Através de audições discográficas, transmissão oral e programas rádio-televisivos foi trauteada e assobiada um pouco por todo o Portugal e espaços ligados à emigração. A melodia simples e a estrutura silábica, bem ao gosto de muitas melodias populares, ajudaram a ditar tamanho sucesso. Em Coimbra é, entre outras valências, uma obra de escola para cantores principiantes. Existem solfas em Carlos Caiado, Antologia do Fado de Coimbra, Coimbra, 1986, págs. 64-65; idem, Manuel Pereira Resende, Melodias de sempre. Fados, Nº 33, Cucujães, Edição do Autor, 2003, págs. 28-29.

Não deve confundir-se este tema com dois outros títulos semelhantes que nunca chegaram a ser gravados:

-Fado de Santa Cruz (Lá na aldeia sertaneja), música de Paulo de Sá, 1925;
-Fado de Santa Cruz (Hei-de morrer a pedir), música de António Menano, ca. 1929.

Transcrição: Octávio Sérgio (2009)
Recolha e texto: José Anjos de Carvalho e António M. Nunes

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